Mesa com Cleonice Berardinelli e Maria Bethânia.
Walter Craveiro/Flip/Divulgação
"Toda
reverência corre o risco de ser demasiadamente formal, matar a homenagem que
procura ser. Celebrar a obra de Fernando Pessoa, um poeta que nunca sai de
evidência, com uma mesa de recitais, é sempre flertar com o perigo. Ainda mais
em um festival como a Festa Literária Internacional de Paraty, que tão
raramente abre espaços para leituras assim, como a da cantora Maria Bethânia
com a pesquisadora Cleonice Berardinelli na noite desta sexta-feira (5).
Com
filas imensas, a mesa ainda teve vaia do público pelo atraso – Bethânia fez
questão de passar o som com detalhismo antes de permitir a entrada. Logo de
cara, no entanto, já era possível notar que não seria o caso: formalidades de
lado, o espaço foi da emoção.
Foram
poucas palavras antes da leitura. Cleonice leu um pequeno texto, descrevendo as
duas como “mulheres unidas por paixões complementares e paralelas que norteiam
as suas vidas”. A condição para selecionar os versos imposta por Bethânia foi
“que a escolha fosse de Cleonice”, mas a resposta da acadêmica exigia que
Bethânia revisasse e modificasse.
Durante
a leitura, as duas contemplaram o poeta Pessoa e “os poetas que ele criou a sua
volta”. A emoção transmitida pela cantora baiana não surpreende - na Fliporto,
leu uma seleção pessoal de poemas que já mostrava seu gosto e habilidade como
intérprete literária. Tão bonita quando a sua participação foi a fala de
Cleonice, uma grande declamadora mesmo aos 96 anos. As leituras da pesquisadora
foram recebidas com entusiasmo por Bethânia, que aplaudiu a companheira de mesa
diversas vezes e celebrou de pé a sua declamação final.
Na
conversa após o recital, Cleonice revelou que não consegue escolher um
heterônimo preferido: “Seria como escolher um filho preferido”. “O ortônimo,
Pessoa mesmo, tem momentos de maior emoção que ele parece evitar nos
heterônimos”, expôs. Perguntada sobre se gostaria de ser um heterônimo de
Pessoa, ela ainda comentou que tinha a impressão que o poeta foi alguém que
sofreu muito. “Não gostaria de ser uma criação dele”.
Bethânia
recebeu muito elogios e até declarações. Provocada pelo público, a cantora
avisou que já sonha em gravar os poemas com Cleonice. “Pessoa é o poeta da
minha vida, ele é quem sustenta minha respiração”, afirmou."