A Revista Época (edição nº 724 de 2 abril 2012) trouxe uma entrevista com Maria Bethânia que fala sobre seu novo cd "Oásis de Bethânia" e outros assuntos. Confiram o texto da jornalista Martha Mendonça:
(Foto: Daryan Dornelles/ÉPOCA)
"Há exatamente um ano, a cantora Maria Bethânia viu seu nome envolvido numa polêmica sobre o uso de recursos públicos em cultura. Um blog que traria a artista declamando poesias em 365 vídeos, dirigido pelo cineasta Andrucha Waddington, recebeu autorização do Ministério da Cultura para captar R$ 1,3 milhão. Os patrocinadores, de acordo com a Lei Rouanet, seriam beneficiados com descontos nos impostos. As críticas repercutiram forte e negativamente nas redes sociais. Na ocasião, Bethânia preferiu se calar – e acabou desistindo do projeto. Agora, ao divulgar o 50º álbum de sua carreira, Oásis de Bethânia, ela fala sobre o assunto. Em um texto incluído numa das faixas do CD, parece dar uma resposta às críticas. Eu não provo do teu fel, eu não piso no teu chão, e pra onde você for, não leva o meu nome, não. Pela primeira vez, ela assina a criação geral de um trabalho, dividido com o baixista Jorge Helder. Aos 65 anos, diz que, apesar de estar o tempo todo escrevendo, não gostaria de se dedicar à literatura, como o amigo Chico Buarque, nem a textos de opinião, como o irmão, Caetano Veloso. Bethânia recebeu ÉPOCA na gravadora Biscoito Fino, numa bela casa no bairro do Humaitá, na Zona Sul do Rio de Janeiro.
ÉPOCA – Em seu novo disco, há uma letra que diz: Não mexe comigo, que eu não ando só/Não ando no breu, não ando na treva/Eu não provo do teu fel, eu não piso no teu chão, e pra onde você for, não leva o meu nome, não. O que isso tem a ver com as críticas ao projeto de seu blog de poesias no ano passado?
Maria Bethânia – Você quer saber se é uma resposta? Olhe, tenho 65 anos de idade e 47 de carreira. Desde que estreei, meus trabalhos foram elogiados ou pelo menos respeitados. Nasci em família humilde em que a ética era a chave de nossa educação, de nossa vida. Um dia devem ter pensado: que saco, essa mulher não pisa na bola! E acharam que era uma oportunidade. Esse texto da canção “Carta de amor” escrevi num momento de solidão, na época em que aconteceram esse massacre e essa grosseria. O ano passado foi difícil também pela morte de minha irmã. Então o texto saiu assim. Não sei se é uma resposta, mas, quem quiser vestir a carapuça, está aí.
ÉPOCA – Você sabia das cifras de captação do blog, R$ 1,3 milhão?
Maria Bethânia – Recebi um convite e aceitei. Optaram por um blog porque queriam a agilidade e o alcance que o meio permite. Mas, apesar de ser um blog, não era algo simples. Eram 365 vídeos, um para cada dia do ano, num projeto que envolvia teatro, equipamentos, músicos, edição, luz, uma artista, direitos autorais. Botaram no papel e, de alguma forma, chegaram a isso. Não sou eu que vou dizer se é muito ou pouco. Entraria declamando a poesia. Mas certamente, se não fosse meu nome envolvido, ninguém falaria tanto.
ÉPOCA – Você se assustou quando viu a repercussão?
Maria Bethânia – Na verdade, não vi, porque não sou ligada em internet, nada disso. As pessoas me contaram. Não estou acostumada a lidar com a estupidez. Meu trabalho é muito delicado para ser, assim, espezinhado. Cantar é muito delicado, a corda vocal é mais fina que um fio de cabelo. Mas a verdade é que hoje nem falo sobre o que aconteceu com seriedade, com um tom de gravidade. O assunto não merece.
ÉPOCA – Você não usa a internet?
Maria Bethânia – Não gosto, uso muito pouco. Sou careta, antiga, fora de moda. Tenho um e-mail, só para trabalho mesmo, em que respondo “sim”, “não”, “talvez”. Inclusive a gravadora me sugeriu fazer a divulgação do disco só pela internet, como fizeram Chico Buarque e outros. Eu disse que não. Não sei fazer isso. O que sei é conversar com as pessoas, responder ao que me perguntam ali, cara a cara. E me dá prazer falar de algo de que gosto.
ÉPOCA – Acabou de ser lançado um aplicativo para smartphone com sua obra...
Maria Bethânia – Por favor, não me pergunte nada disso. Não sei de nada, não olho. Gosto de ter as coisas. De cheirar a capa dos livros, de manusear os encartes dos discos. Acho horrorosa a coisa virtual.
ÉPOCA – Você está lançando o 50º disco. Qual é a sensação de um trabalho tão longevo?
Maria Bethânia – Não fico fazendo contas, não sou nem um pouco ligada nos números. Acho engraçado. Isso também é porque lanço muitos discos ao vivo, dos shows, que adoro. Brinco que sigo cuidando dessa personagem, a cantora. Alimento a cantora, dou banho na cantora, cuido da voz da cantora, da mãe da cantora...
Sou careta, antiga, fora de moda. Uso pouco a internet, não gosto. Tenho um e-mail, só para trabalho mesmo, em que respondo ‘sim’, ‘não’, ‘talvez’ "
ÉPOCA – Você diz que no último ano se sentiu muito sozinha. Por isso também produziu seu próprio disco?
Maria Bethânia – Meu impulso foi, desta vez, fazer sozinha, recriar uma situação de deserto, sertão, aridez. Mas também de autoconhecimento, testar meus limites e minha fé. Então não quis muitos músicos, banda, produtor, diretor musical. O Jorge Helder, meu baixista, baixista do Chico, assina comigo porque me deu o amparo de que eu precisava. Ele é um ótimo professor e, por ser baixista, está acostumado a, até musicalmente, acompanhar, mais que estar à frente. Queria voz e um instrumento.
ÉPOCA – O disco é muito eclético, tem Djavan, Paulo César Pinheiro, Dalva de Oliveira.
Maria Bethânia – Djavan não escrevia uma canção para mim desde 1978! Pedi a ele que fizesse algo, do jeito que preferisse, e ele me mandou essa coisa linda, que se chama “Vive”. Dalva de Oliveira faz parte do meu repertório pessoal. Uma intérprete maravilhosa, admirável. Tem também “Lágrima”, do repertório de Orlando Silva, a quem tive o prazer de ver cantar, já velhinho. São coisas que canto desde sempre, em casa, que fazem parte do repertório do meu dia a dia, embora nem sempre grave. Paulo César é um grande poeta e um grande amigo. E colocou a música em “Carta de amor”, entremeada com meu texto, de uma forma perfeita.
ÉPOCA – Você diz que está sempre escrevendo. Nunca pensou em se arriscar na literatura, como Chico Buarque e seu irmão Caetano?
Maria Bethânia – Não. Por favor, não me dê ideias! Ferreira Gullar diz que a arte existe porque a vida não basta. Chico e Caetano, além da vida e da arte, escrevem além da canção porque não cabem apenas no compositor. Eu não. Estou cabendo muito bem na cantora. Quando éramos jovens, Caetano sempre me dizia que eu nunca parasse de escrever. E nunca parei. Agora mesmo rabisquei várias coisas aqui (mostra um caderninho). Mas o que escrevo não é para muita gente ver. Isso aqui são meus silêncios.
ÉPOCA – Quando não está trabalhando, você some, leva uma vida discreta. Onde descansa?
Maria Bethânia – Em casa, em Salvador, em Santo Amaro, vários lugares. Mas adoro o Rio de Janeiro. Assim que a divulgação do disco acabar, vou tomar uma cerveja no restaurante Pérgula, do hotel Copacabana Palace. Acho lindo aquilo lá. Lembra o tempo em que vim as primeiras vezes para o Rio e me apaixonei por aquele bairro. Mas gosto de ser discreta. A vitrine me cansa demais. Tenho horror a exposição. Às vezes, no avião, vejo essas revistas de famosos e estremeço. É todo mundo o tempo todo. É muito. Não sei como não dá cansaço. Em quem vê e em quem aparece.
ÉPOCA – Com 65 anos, você chegou à terceira idade. Como se cuida?
Maria Bethânia – Eu e meus irmãos demos sorte. Os Viana Velosos têm esse corpinho seco, esguio, saudável. Como de tudo um pouco, sem exageros. Gosto de comida caseira, não muito sofisticada. No mais, tenho outra sorte: não gosto de doce.
ÉPOCA – Sua mãe, Dona Canô, está com 104 anos. Você pensa em chegar lá?
Maria Bethânia – Não chego, não. Minha mãe teve outra vida, em outro lugar. Teve uma trajetória linda, casou-se com um homem lindo, foram apaixonados, tiveram oito filhos amados. Nem tenho o desejo de chegar tão longe. E minha mãe tem outra coisa: ela adora viver. Já eu... Minha mãe sempre repete para mim: ‘Você vive essa vida de cantora, quieta, triste’. É essa a ideia que ela tem. Minha mãe tem um temperamento de muita conversa, de casa cheia. Talvez vivesse mais se fosse como Caetano, mais suave. Mas não sou. Se falo baixo e devagar, tem alguma coisa errada. Sou de Iansã. Eu grito."