Há três anos nossa querida Maria passou a mirar sua máquina fotográfica lá de cima e anotar suas impressões em suas detalhadas histórias e contos. Essa mulher maravilhosa nos legou lições de humanidade tão poucas vivenciadas nos dias de hoje... tudo seria mais fácil se todos pudessem viver do jeito que ela viveu, com seu humor e alegria, com sua sinceridade e harmonia, com seu carinho pelas pessoas e pelos animais e com seus exemplos de generosidade e desprendimento.
Foto: Carlos Albuquerque
Em 2009, Maria esteve em Recife para lançar "Estrela de Ana Brasila". À época, pedimos ao poeta e crítico literário Jaci Bezerra que escrevesse sobre livro. Jaci expressou a alma de Maria pela sensibilidade das histórias e da imaginação. Transcrevemos abaixo, o texto de Jaci Bezerra como mais uma homenagem que prestamos à nossa amiga Maria Guimarães Sampaio:
A ESTRELA DE ANA BRASILA: ROMANCE DE GENTE
GRANDE
Muito bom a gente encontrar
e ler um livro assim, como esse de Maria Guimarães Sampaio, A Estrela
de Ana Brasila, que para além dos dias idos e vividos tem o dom de nos
devolver com naturalidade aquele tempo aparentemente perdido no qual
continuamos a descobrir, alumbrados -
mesmo com a autora brincando de dizer que a sua é uma “estória
sem compromisso com verdade nenhuma,”- que livros como o seu, no mundo de hoje, mais
do que nunca falam, cantam, sonham como
os homens E, por isso mesmo, são mais do
que necessários. Pois como não se aproximar de um livro como o seu, se desde o
início o livro de Maria nos seduz e nos arrasta com os seus sortilégios de
linguagem, as suas invenções verbais, o seu poder de fazer do verbo carne. O
seu dom de criar e dar vida a coisas, lembranças, paisagens e pessoas, a
exemplo de Frutuoso, Prudença, Bastião Cavalo, Estrela, Januaro, Zóio Verde e
tanta gente mais que respira e anda nas
páginas do seu romance como andamos nós do lado de fora e ao longo. Tanto é
assim que mesmo depois de fechado o livro os seus personagens nos
acompanham. Ou continuam vagando em
nossa lembrança. Porque Maria, navegando na sua canoa como Bastião no tempo de
menino, tem o dom de ressuscitar o passado, como já disse. E de emprestar ao
tempo o seu espírito para reconstruí-lo plasticamente. Sob esse aspecto, do
mesmo modo que os seus personagens são capazes de dar forma a objetos de
cerâmica de louça como alguidares, boiões, bacias, pratos de comer – Maria, que
em certa página do seu livro cria o verbo olariar, com o qual
caracteriza o fazedor e o artífice de cerâmica, reconstitui plasticamente
aquele tempo marcado pela miséria da escravidão. Mundo de machos, como lembra o pintor José Cláudio, no
qual as mulheres eram relegadas à
condição de coisa, ética e sexualmente.
Para onde quer que se vá, não
sei se como romance ou um livro de memórias ou as duas coisas juntas, esse
livro que amanhece em minhas mãos, do qual a autora delicadamente retira a
pátina do tempo para revelar o esplendor daquelas coisas que ao longo da vida
foram não só amadurecidas como perseguidas e conquistadas. Para isso,
inclusive, valendo-se dos recursos da poesia, o que torna o seu mundooceano,
circunstancialmente, uma clareira de luz capaz de deslumbrar qualquer leitor,
como, por exemplo, aqueles Sinos belelem belemlão tirando o dormir de frutuoso,
os olho querendo afundar, rios de riachar, canoa de canoar, como um dos ventos
que nascem das mãos de frutuoso. Bastaria isso, essa intimidade com a
linguagem, para revelar que Maria anda à vontade no território das formas por
ela escolhida. Por isso mesmo, lançado esse, a ela outra coisa não cabe se não
escrever e lançar outro livro: com a mesma força, o mesmo encanto, a mesma
poesia.
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