27 de agosto de 2012

Entrevista de Bethânia ao Correio - Bahia


Entrevista concedida por Maria Bethânia ao jornalista Hagamenon Brito do Jornal Correio da Bahia, publicada no dia 26/08/2012:


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"Caetano decidiu que Gal seria sua cantora", diz Maria Bethânia

Em espetáculo no TCA, Maria Bethânia fala sobre relação do irmão com Gal Costa e diz que Chico é 'o homem mais bonito do mundo'




Foto: Divulgação
'Chico é o homem mais bonito do mundo', se derrete Bethânia
Maria Bethânia, 66 anos, e Chico Buarque, 68, têm uma longa e afetiva relação na MPB. Começou na década de 60, teve seu marco inicial em disco quando Bethânia gravou pela primeira vez uma canção de Chico Buarque - Rosa dos Ventos, no álbum A Tua Presença (1971) -, passou pelo palco num show e turnê em conjunto, em 1975, e segue acompanhando o movimento da vida.
O novo capítulo dessa ligação e admiração artística é o espetáculo Maria Bethânia Canta Chico Buarque. O projeto, idealizado por Monique Gardenberg para o Circuito Cultural Banco do Brasil, estreou em 2011 e sua série de cinco apresentações este ano chega ao fim hoje no TCA, 20h, com ingressos há muito  esgotados.
Com aproximadamente 30 músicas, incluindo o bis, o repertório do espetáculo privilegia as canções de Chico Buarque interpretadas pela filha de dona Canô ao longo dos seus 47 anos de vitoriosa carreira.
Cada vez menos dramática e mais serena em cena, mas sempre autoral e intensa, Bethânia canta clássicos como Rosa dos Ventos, Baioque, Maninha, Apesar de Você, Gente Humilde, Sonho Impossível, Cálice, Roda Viva, Beatriz, Gota d’Água, Noite dos Mascarados, A Rita, Terezinha, Olhos nos Olhos, Tatuagem e Olê, Olá. 
Confira entrevista feita por telefone com Maria Bethânia, que nos atendeu em sua casa, no Rio, sempre atenciosa.


De um lado, você tem Caetano Veloso que, além de ser seu irmão, é um grande compositor e está sempre presente em sua carreira. Do outro, Chico Buarque, de quem você já cantou mais de 50 músicas e de quem é, para muitos, a melhor intérprete. Qual o seu compositor predileto entre os dois?

Caetano e Chico são os dois compositores da minha vida, estão presentes no meu repertório nestes 47 anos de estrada, cada um à sua maneira. São os dois pilares da minha música e uso as canções de cada um deles de acordo com aquilo que estou querendo expressar naquele momento. Sou uma intérprete e utilizo aquilo deles que melhor me traduz.
Tão íntima assim da obra desses dois gigantes da MPB, quais as particularidades de composição que você ressaltaria em Chico e Caetano?
São vanguardistas, admiráveis e têm personalidades muito fortes. Ambos me conhecem e eu ouço os dois sempre, em casa, porque me exercito e me alimento como intérprete, e sou íntima da obra deles. São românticos, são épicos, sabem falar sobre a vida de todas as maneiras possíveis. São pessoas que eu quero muito e que têm o dom de me traduzir.
Você lembra da primeira vez em que viu, em que encontrou Chico Buarque nos anos 60?
Não me lembro do primeiro encontro fisicamente, mas lembro da primeira música que ouvi de Chico: Olê, Olá. Foi com Vinicius (de Moraes), em São Paulo, no Teatro de Arena, que apresentava o espetáculo Arena Conta Zumbi (1965), que era deslumbrante. Na época, todos nós apresentávamos nossos shows e depois íamos para o Teatro de Arena, e numa dessas noites, Vinicius me mostrou Olé, Olá. A música de Chico chegou para mim antes de sua imagem física.

Vi você e Chico juntos duas vezes na vida. Na primeira, no cinema, no musical Quando o Carnaval Chegar (1972), de Cacá Diegues, que tinha também a doce Nara Leão (1942-1989). E no filme vocês passavam, para mim, uma ideia de namoro (risos)...
(Risos). Eu era a Rosa, muito brincalhona. Eu e Chico somos geminianos, temos um elo forte, somos brincalhões. De certa maneira, tinha um pouco de verdade, era uma brincadeira platônica (risos). Chico é o homem mais bonito do mundo!
Às vezes, brinco com amigas jovens que acham que Chico ainda é um homem lindo. Digo que ele já tem 68 anos, que está velho... Bem, coisas do humor típico de um canceriano (risos).
Que nada, ele está cada vez mais bonito. Adoro quando a luz bate nos cabelos grisalhos dele, adoro as mãos dele, o jeito. Ele é todo lindo!
Foi difícil selecionar o repertório desse show, já que você gravou ou interpretou dezenas de canções de Chico? Como foi o processo?
 São canções de Chico que têm a ver comigo, com o meu passado. Não faria sentido gravar composições mais atuais de um artista que continua na ativa. Mas o repertório é um desenho de Chico Buarque por inteiro, da sua visão do Brasil, de amor, do cotidiano, da época do protesto contra a ditadura, da sua relação com a vida, com as dores e as alegrias. Parece que Chico escreve o que eu penso, da maneira que eu penso. Não mudaria uma vírgula. O Chico romântico, por exemplo, é um alicerce de todo o meu repertório.


A segunda vez que vi você e Chico juntos foi no show Chico Buarque & Maria Bethânia, em 1975, no Teatro Guaíra, em Curitiba. Um dos shows inesquecíveis da minha vida, aliás. Como foi aquele convívio?
Só no Canecão, no Rio, foram oito meses em cartaz, de terça a domingo. Além do encontro quase diário no palco, às vezes jantávamos juntos. Naquele tempo, aliás, os artistas se encontravam muito, queríamos mostrar um acorde novo, uma música nova, uma poesia... Compartilhávamos tudo pessoalmente, não era algo virtual como agora.
No último domingo, Chico Buarque assistiu ao seu show no Vivo Rio, no Rio de Janeiro. Como foi?
Um presente de papai do céu!  Uma coisa é cantar as músicas de Chico, outra é cantar para ele (risos). Ele levou as filhas, a namorada, o neto... Gosto de toda a família, adoro Miúcha, a irmã dele. Dona Amélia (NR: mãe de Chico, morta em 2010, aos 100 anos) dizia que eu era uma filha dela (risos), que era  tudo uma família: Hollanda Velloso, Velloso Hollanda.
Existe a possibilidade do show ser lançado em disco? Quais os planos após o término da turnê, em Salvador?
Todo show que faço é registrado pela Biscoito Fino, mas ainda é cedo para pensar se este será transformado em disco. Preciso de um maior distanciamento. Como parei tudo para fazer essa série de shows, vou ter que retomar a ideia da turnê de Oasis (NR: último álbum da cantora, lançado em abril) do zero. Não sei se o show de Oasis estreará ainda este ano, porque só de ensaio precisaria de três meses.

Você ficou com ciúmes, digamos, por Caetano Veloso ter feito um álbum (Recanto/2011) inteiro para Gal Costa cantar?
De jeito nenhum. Caetano decidiu que Gal seria sua cantora já no show Nós, por Exemplo (1964), aí no Vila Velha. Ele fez essa opção e todo compositor tem esse direito, não me cabe julgar. O Lulu (Santos) costuma dizer que "Cada cantor tem que saber qual o seu aquário". Tem quem ache isso grosso, mas acho fofo. A maior cantora do mundo é Nana (Caymmi), mas não tem a ver comigo, com meu modo de interpretar. Ao encontrar com Chico, domingo, eu disse: "Sei que não sou a sua cantora, mas eu me candidato a esse posto" (risos). Sou uma intérprete e Caetano é fundamental em minha música, mas a cantora dele é Gal Costa. Não há nada demais nisso.

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