Emocionante. O recital Maria Bethânia e as palavras, na
abertura da Festa Literária Internacional de Pernambuco – Fliporto, valoriza a
grande intérprete que é. Textos muito bem escolhidos, inclusive com
participação de vários pernambucanos, e uma interpretação memorável, ao mesmo
tempo leve e firme.
Entre recitais e cantorias, Bethânia foi acompanhada pelo
percussionista Carlos César e o violonista Jaime. Homenageou seu poeta
predileto, Fernando Pessoa, de quem recitou a marcante Navegar é preciso.
Os pernambucanos tiveram tribuna de honra. Em repertório
explorador do Nordeste e Sertão, Luiz Gonzaga (ABC do Sertão), Dominguinhos
(Lamento sertanejo), Antônio Maria (Menino grande) e Ascenso Ferreira (Vou
danado pra Catende) foram recitados na noite, além de Clarice Lispector.
Quando criança, Maria Bethânia pensou em ser atriz,
influenciada pelas aulas de drama (“teatro chamava-se drama”, esclarece) na
escola de freiras onde estudava, na Bahia. Desistiu desde a primeira vez que
cantou, incentivada pelo irmão, Caetano Veloso. No palco, entretanto, nunca
abandonou definitivamente as artes cênicas. “O que eu acho que dá diferença nos
meus shows é que eu faço um espetáculo usando a dramaturgia mesmo. Isso explora
uma linha mais teatral, mais interpretativa”, explica a artista baiana, que já
trabalhou com os diretores Augusto Boal e Bibi Ferreira.
Maria Bethânia e as palavras é o expoente dessa relação com
as artes cênicas e a poesia, sempre presentes nos seus shows. “Não é somente um
recital. Tem uma ideia, um fio condutor, como em um espetáculo teatral”,
define, em entrevista por telefone, durante os ensaios para a estreia de Carta
de amor, no Rio de Janeiro. O show é inspirado no disco Oásis de Bethânia, com
arranjos de músicos convidados, como Lenine, Djavan e Wagner Tiso.
Os poetas preferidos foram escolhidos por Maria Bethânia.
“São muitos textos que eu já disse em cena. Outros que nunca disse. Outros que
jamais direi em shows. É muito conversado. Eu chamo essa leitura de exercício
de delicadeza. No tempo de hoje, alguém querer ouvir poesia é bem difícil”,
conta. Questionada se o poeta predileto é Fernando Pessoa, Bethânia nem se
prende a elogios. Resume a confirmar. “É… É… É… É… É…”, repete, cinco vezes.
Além dele, estão na programação Guimarães Rosa, Manuel Bandeira, Caetano
Veloso, Renato Teixeira, Amália Rodrigues, Padre Antonio Vieira, Fausto Fawcet,
Paulinho da Viola e Luiz Gonzaga, com ABC do Sertão. “O ABC está na leitura
desde a primeira que fiz. Muda um pouco, a depender do lugar e mesmo da minha
cabeça. Mas o ABC é próprio da leitura”, garante.
A sessão de hoje é exclusiva para 400 pagantes e 500
convidados. Mas, do lado de fora, o público poderá conferir o recital em um
telão armado na Praça do Carmo, gratuitamente. O espetáculo estreou no ano
passado, a convite da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e rendeu
polêmica e críticas nas redes sociais. É que o pesquisador Hermano Vianna
conseguiu autorização do Ministério da Cultura para captar R$ 1,3 milhão e
criar o blog O mundo precisa de poesia. Bethânia interpretaria poemas que
seriam publicados, diariamente, durante um ano. Depois da polêmica, o projeto
foi cancelado. E Bethânia não fala sobre o assunto. Mas, para a sorte dos fãs,
não deixou de circular com o espetáculo.
Pernambucanos queridos
Clarice Lispector
A quase recifense Clarice Lispector – nascida na Ucrânia, de
onde migrou para o Brasil aos dois meses – é uma das escritoras preferidas de Bethânia,
ao lado do inigualável Fernando Pessoa. “Conheci Clarice Lispector através do
Fauzi Arapi, o mesmo que me apresentou Fernando Pessoa. Ele disse ‘Você vai
dizer Fernando Pessoa e você vai dizer Clarice Lispector’”. Daí, surgiu a
admiração pelos dois escritores e também o hábito quase sagrado de recitar nas
apresentações.
Manuel Bandeira
“Eu não fui amiga de Bandeira. Conheci mais profundamente
Bandeira através de Vinicius (de Moraes). Ele falou muito porque era alguém que
ele tinha como marco. Ele era grande estudioso, conhecedor, admirador da obra
de Bandeira”. Foi ele também que mostrou a Bethânia o trabalho de outro
pernambucano, o amigo Antônio Maria, cujos textos Bethânia inclui
frequentemente nos shows.
Luiz Gonzaga
“Esse é o nosso querido Rei. Eu conheci Luiz. Fui camarada
dele, grande amiga do filho dele. Tive essa grande alegria, grande honra.
Conheci Gonzaga com ele ligando para a minha casa. ‘Quem fala? Luiz. Que Luiz?
O Rei do Baião’”, relembra, rindo. “Eu vi muitos espetáculos dele. Assisti Luiz
em Paris, na Suíça. Cantei muitas músicas dele. Ele era ouvido como um deus. O
maior respeito, o devido respeito. Eles até sacudiam um pouquinho. Assistiam
com maior respeito aquele monumento da cultura brasileira. Vocês estão com
tudo”.
* Matéria publicada no Diario de Pernambuco desta
quinta-feira, 15 de novembro