16 de novembro de 2012

Poesia na Fliporto com Maria Bethânia








Emocionante. O recital Maria Bethânia e as palavras, na abertura da Festa Literária Internacional de Pernambuco – Fliporto, valoriza a grande intérprete que é. Textos muito bem escolhidos, inclusive com participação de vários pernambucanos, e uma interpretação memorável, ao mesmo tempo leve e firme.

Entre recitais e cantorias, Bethânia foi acompanhada pelo percussionista Carlos César e o violonista Jaime. Homenageou seu poeta predileto, Fernando Pessoa, de quem recitou a marcante Navegar é preciso.
Os pernambucanos tiveram tribuna de honra. Em repertório explorador do Nordeste e Sertão, Luiz Gonzaga (ABC do Sertão), Dominguinhos (Lamento sertanejo), Antônio Maria (Menino grande) e Ascenso Ferreira (Vou danado pra Catende) foram recitados na noite, além de Clarice Lispector.

Quando criança, Maria Bethânia pensou em ser atriz, influenciada pelas aulas de drama (“teatro chamava-se drama”, esclarece) na escola de freiras onde estudava, na Bahia. Desistiu desde a primeira vez que cantou, incentivada pelo irmão, Caetano Veloso. No palco, entretanto, nunca abandonou definitivamente as artes cênicas. “O que eu acho que dá diferença nos meus shows é que eu faço um espetáculo usando a dramaturgia mesmo. Isso explora uma linha mais teatral, mais interpretativa”, explica a artista baiana, que já trabalhou com os diretores Augusto Boal e Bibi Ferreira.

Maria Bethânia e as palavras é o expoente dessa relação com as artes cênicas e a poesia, sempre presentes nos seus shows. “Não é somente um recital. Tem uma ideia, um fio condutor, como em um espetáculo teatral”, define, em entrevista por telefone, durante os ensaios para a estreia de Carta de amor, no Rio de Janeiro. O show é inspirado no disco Oásis de Bethânia, com arranjos de músicos convidados, como Lenine, Djavan e Wagner Tiso.

Os poetas preferidos foram escolhidos por Maria Bethânia. “São muitos textos que eu já disse em cena. Outros que nunca disse. Outros que jamais direi em shows. É muito conversado. Eu chamo essa leitura de exercício de delicadeza. No tempo de hoje, alguém querer ouvir poesia é bem difícil”, conta. Questionada se o poeta predileto é Fernando Pessoa, Bethânia nem se prende a elogios. Resume a confirmar. “É… É… É… É… É…”, repete, cinco vezes. Além dele, estão na programação Guimarães Rosa, Manuel Bandeira, Caetano Veloso, Renato Teixeira, Amália Rodrigues, Padre Antonio Vieira, Fausto Fawcet, Paulinho da Viola e Luiz Gonzaga, com ABC do Sertão. “O ABC está na leitura desde a primeira que fiz. Muda um pouco, a depender do lugar e mesmo da minha cabeça. Mas o ABC é próprio da leitura”, garante.
A sessão de hoje é exclusiva para 400 pagantes e 500 convidados. Mas, do lado de fora, o público poderá conferir o recital em um telão armado na Praça do Carmo, gratuitamente. O espetáculo estreou no ano passado, a convite da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e rendeu polêmica e críticas nas redes sociais. É que o pesquisador Hermano Vianna conseguiu autorização do Ministério da Cultura para captar R$ 1,3 milhão e criar o blog O mundo precisa de poesia. Bethânia interpretaria poemas que seriam publicados, diariamente, durante um ano. Depois da polêmica, o projeto foi cancelado. E Bethânia não fala sobre o assunto. Mas, para a sorte dos fãs, não deixou de circular com o espetáculo.

Pernambucanos queridos

Clarice Lispector
A quase recifense Clarice Lispector – nascida na Ucrânia, de onde migrou para o Brasil aos dois meses – é uma das escritoras preferidas de Bethânia, ao lado do inigualável Fernando Pessoa. “Conheci Clarice Lispector através do Fauzi Arapi, o mesmo que me apresentou Fernando Pessoa. Ele disse ‘Você vai dizer Fernando Pessoa e você vai dizer Clarice Lispector’”. Daí, surgiu a admiração pelos dois escritores e também o hábito quase sagrado de recitar nas apresentações.
Manuel Bandeira
“Eu não fui amiga de Bandeira. Conheci mais profundamente Bandeira através de Vinicius (de Moraes). Ele falou muito porque era alguém que ele tinha como marco. Ele era grande estudioso, conhecedor, admirador da obra de Bandeira”. Foi ele também que mostrou a Bethânia o trabalho de outro pernambucano, o amigo Antônio Maria, cujos textos Bethânia inclui frequentemente nos shows.
Luiz Gonzaga
“Esse é o nosso querido Rei. Eu conheci Luiz. Fui camarada dele, grande amiga do filho dele. Tive essa grande alegria, grande honra. Conheci Gonzaga com ele ligando para a minha casa. ‘Quem fala? Luiz. Que Luiz? O Rei do Baião’”, relembra, rindo. “Eu vi muitos espetáculos dele. Assisti Luiz em Paris, na Suíça. Cantei muitas músicas dele. Ele era ouvido como um deus. O maior respeito, o devido respeito. Eles até sacudiam um pouquinho. Assistiam com maior respeito aquele monumento da cultura brasileira. Vocês estão com tudo”.
* Matéria publicada no Diario de Pernambuco desta quinta-feira, 15 de novembro

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